Quase resenha - a história do livro e algumas digressões

Fotografia, imagens pré-tecnológicas, contiguidade e semelhança na trama de Dom Casmurro

 

O trabalho que hora apresento a vocês, Achados de Assis, desempenhou um “achamento” na narrativa e no enredo de de Dom Casmurro. Apreensivo. Afirmo que, ao longo do romance de Machado de Assis, encontramos questões relativas à representação por semelhança e por contiguidade e, ainda, amarrada a estas, a das imagens pré-tecnológicas (pintura, gravura etc) em suas relações com a primeira imagem tecnológica, a fotografia.

Vejo Machado como um antecipador de questões de teoria da fotografia desenvolvidas no século XX por diversos autores. Resolvi me ater, em larga medida, àqueles que a grande teórica do fotográfico, Rosalind Kraus, considera como sendo os dois clássicos do pensamento relativo à fotografia, Walter Benjamin e Roland Barthes; não sem evocar a própria Rosalind Kraus e Charles Sanders Peirce, em poucas ocasiões, já que o conceito de índice de Peirce guia as reflexões de Krauss. 

Aos meus poucos leitores, que se opõe à semiótica e à reflexões demasiado ou quase exclusivamente formalistas, pedi a paciência de quem só conseguiu enxergar até aí no curto prazo que recebeu para escrever um texto sobre estes ‘Achados de Assis’. Por outro lado, fazer figurar, em sua narrativa, a fotografia como forma de representação por contiguidade e a pintura – e demais imagens pré-tecnológicas -- como forma de representação por semelhança, já foi uma antecipação e tanto de Machado para este campo de estudos. Na verdade, única para seu tempo. E isso mostramos em Achados de Assis.

A fotografia, no pensamento de Benjamin e Barthes é indissociável da obra de Marcel Proust. Arrisco-me a afirmar que sem Proust, Benjamin e Barthes ou não teriam pensado a fotografia, ou não teriam ido tão fundo nela. Como afirma Roberto Schwarz em Duas meninas, “Dom Casmurro é o nosso Em busca do tempo perdido, às avessas, nostálgico, que deixaria Proust de cabelo em pé”.

Meu campo de estudos vêm sendo as teorias da fotografia, do cinema e das artes plásticas. Sou um homem de imagens (fotógrafo por formação prática que entrou na academia, na graduação, com 27 anos), a literatura foi, ao longo da minha vida, uma paixão para a qual nunca me vi preparado para um trabalho crítico com ela. Durante algumas décadas (eu já estudava teorias antes de ingressar na UnB; primeira leitura de Dom Casmurro em 1983; primeira leitura de teorias do cinema em 1985 ...), limitado pela forma que eu fazia uso de uma tendência de abordagem das imagens, a semiótica de Charles Sanders Peirce, eu reli várias vezes o capítulo “Fotografia” e nele nada via de teoria da fotografia.

 

Enquanto ainda cursava o meu mestrado em Teoria e História da Arte, no Instituto de Artes da Universidade de Brasília, por volta de 2004, com filtros teóricos outros e expandidos, ao reler mais uma vez tal capítulo, encontrei ali reflexão explícita sobre a fotografia. Passei a noite toda acordado procurando mais aparições do fotográfico, e de representações por contiguidades a ele conectadas, no romance. E encontrei algumas outras. O meu mestrado era sobre o fotográfico e o minimalismo; o Achados de Assis: a fotografia em Dom Casmurro ficou na espera.

Não são muitos os ‘achados’ que levei a cabo, mas resolvi considerar que eram suficientes para demonstrar que aspectos semióticos e psicanalíticos da fotografia tinham importância dentro de Dom Casmurro. E tal se articularia com a questão das representações por contiguidade e por semelhança. Bento se refugiou na semelhança e medrou completamente diante da contiguidade. E isto está em algumas passagens e em ligações de passagens (entrelinhas tantas, haja lunetas)

Acreditei tanto no que eu havia achado que inscrevi um projeto para a redação de um livro, em 2010, no recém retornado Concurso Marc Ferrez de Fotografia, Este estava já há 17 anos sem ter nenhuma edição. O governo Collor acabara com a Funarte e também com o INFOTO, que promovia tal certame. Ele retornou com o nome “Funarte” na frente. Fiquei muito confuso, atordoado e feliz, muito feliz, eufórico, quando recebi o comunicado de que meu projeto havia sido aprovado. Mas só o tempo para trazer as devidas desconfianças relativas à qualidade, tanto do achamento, quanto da forma que escolhi para abordá-lo. Já em 2010 passei à redação do livro. Redação que pediu uma 'Nota do autor' na 2a Edição de 2016 e vem exigindo de mim continuidade de pesquisa e de resultados.

Mas está lá no livro, escrito, editado e publicado. De um jeito disperso, fui fazendo referência às passagens do romance nas quais a fotografia ou outras experiências por contiguidade atingiam Bento e sua história. Escolhi assim porque achei mais leve e com melhor fluência ir colocando Bento em diálogo com Barthes e Benjamin; mais para o final do meu opúsculo (é um livro muito pequeno mesmo) usei Freud e Georges Didi-Huberman para tratar de questões que considerei presentes no capítulo Pergunta tardia.

Estas experiências com fotografia, retratos pictóricos, cenas regidas por fenômenos onde a contiguidade é aguda e até determinante do rumo do decurso da ação dramática, dispersas ao longo da trama de Dom Casmurro, se articulam em uma teia incrível. É claro, em uma teia tramada com as outras já comentadas pela crítica e as que ainda estão por aparecer. Não sei quantas “lunetas” poderiam ter sido usadas por mim no meu livrinho. Releio textos de autores como Roberto Schwarz e de John Gledson com afinco, com mais de uma esperança. A principal delas é não ficar no abstracionismo formalista e conectar as questões relativas à fotografia com aspectos socioculturais e políticos desse incrível romance.

Muitas vezes pensei que deveria listar os capítulos e partes de capítulos onde minhas questões aparecem. Fazer isto simplesmente para demonstrar, de outra forma, a presença do que acredito ter encontrado. Pretendo fazer isto em breve e publicar em um outro artigo, aqui neste sítio.

Escrito por Super User